quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Diário da Noite, 30 de Maio de 1950

O CONTROLE DA VOZ

A arte do canto, sem dúvida nenhuma, é uma das mais belas e difíceis. O vocalista, além de dotado de alta sensibilidade artística e musical, há que ser possuidor de outro predicados, se quiser vir a ser um cantor apreciado por todas as platéias. Variadas são as formas empregadas pelos vocalistas de palco, rádio e disco. Cantar no palco – evidentemente sem o auxílio do microfone – demanda esforço do cantor que assim, tem que lançar mão da sua potência vocal. Isto já não acontece no rádio ou no disco, exceção aos artistas líricos que, pela natureza das partituras são obrigados a dar largas às suas vozes, quer no palco, no rádio ou no disco. Para estes, a fim de que suas audições sejam perfeitas, ao microfone ou à cera, é necessária grande habilidade do técnico.

Artistas líricos, entretanto, há, que também se dedicam ao cultivo da música popular. Gino Bechi é um deles. Admiramos a voz de Gino Bechi. É de uma tonalidade muito bonita e máscula. Entretanto, parece-nos que o jovem barítono do Scala, apesar disso, não sabe empregar bem a sua voz ao vocalizar melodias populares. E também em muitas árias líricas, diga-se de passagem. Demonstram-no os seus discos. Bechi, evidentemente, estudou canto. E, por isso, deve saber que uma melodia, especialmente a popular, deve ser cantada com naturalidade, sem aquelas demonstrações de potencialidade ridícula, tão em voga em outras épocas. Cantar, assim nos parece, é dizer os versos de uma música com suavidade. Uma ária de ópera, por mais notas altas que tenha, há que ser interpretada com arte, o que quer dizer com naturalidade. Com efeito, causa pena, ao se assistir a um espetáculo lírico, o ver-se um cantor ou cantora esgoelar-se inutilmente.

Gino Bechi
Estas considerações nos vieram às teclas ao termos em mãos vários discos gravados por Gino Bechi para a etiqueta Victor. São eles: Sta Sera Canto e Ninna Nanna D’Amore, do filme Arriverdercci, Papá, ainda não exibido entre nós; Verde Ucrania e Suona Balalaika. Com exceção desta Verde Ucrania e Suona Balalaika, nas demais gravações o simpático, mas irremediavelmente convencido cantor italiano, apresenta os mesmos defeitos que já tivemos ocasião de apontar em seus discos anteriores. Gino, lamentavelmente, não sabe fazer uso com propriedade, de sua bela voz, dando-lhe desmedida liberdade, enfeiando desse modo, as suas interpretações. Por que, Santo Deus, gritar tanto? Será isso cantar?! É de estranhar que ninguém ainda tenha tido a necessária sinceridade, brutal e talvez antipática, como a nossa, para chamar a atenção do famoso barítono para esse fato. Está certo que empregue toda a potência da sua bonita voz num palco, interpretando óperas. Mas em canções populares, cremos, não há necessidade disso, sobretudo ao serem levadas ao disco. A título de curiosidade, fizemos uma comparação entre outras gravações suas, em vocalizações das mesmas melodias, com as de outros artistas (vide a canção Torna, por ele e por Tito Schipa) e a diferença é enorme. Argumentar-se-á que são estilos diferentes. Certo. Mas é pena que uma bela voz como a de Bechi seja usada em estilo assim tão lamentável. Façamos votos para que, ao menos no disco, no futuro, Bechi nos proporcione interpretações menos gritadas.

Nelson Eddy
Com referência às gravações em apreço, gostamos mais, repetimos, da face de Suona Balalaika que, apesar de inferior à de Nelson Eddy, está muito boa, pois ao cantá-la Gino esquecei-se de que possui voz poderosa... Além disso, há a originalidade orquestral da introdução e do final, ao sugerir o ambiente tipicamente eslavo.

Para que os fãs do barítono que nos visita perdoem os nossos reparos sobre a sua arte, aqui vai uma novidade: Gino Bechi trouxe da Itália um punhado de novas matrizes de gravações suas, cujos discos serão editados pela Victor. Eis as melodias encerradas nessas matrizes: Rachiamo D’Amore, do filme Segredos de Don Juan, Noturno, do filme Arriverderci, Papá; Signorella Mia, do filme Signorella; Lu Me Sciccareddá e Matinatta Siciliana. Agora é só aguardar a Victor lançar ao mercado esses novos discos, o que se dará dentro de poucos dias.

Na foto: És Tu Balalaika foi gravada em primeiro lugar por Nelson Eddy, “astro” do filme que nos trouxe a melodia. Outros artistas de renome também gravaram a música. Gino Bechi, agora, nos apresenta a versão italiana sob o título Suona Balalaika. De todos, a gravação de Nelson Eddy continua sendo a melhor.

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