NÃO ESTÁ CERTO
No suplemento de novidades para agosto, da
Odeon, figura um disco gravado por Dircinha Batista, no qual vamos encontrar
dois sambas: Chama-se João, que leva a assinatura de Ary Barroso, e Na
Batucada da Vida, também de Ary Barroso, mas com palavras de Luiz Peixoto.
O primeiro desses sambas é típico de Ary Barroso, isto é, leva a sua marca
registrada, composto no seu estilo habitual. Na Batucada da Vida, entretanto, é de lamentar-se tenha sido
brotado da pena do prestigioso compositor nacional. E mais lamentável ainda
quando se observa a letra reprovável para ela alinhavada por Luiz Peixoto.
Lamentável, principalmente, porque tanto Ary Barroso quanto Luiz Peixoto são
autores de reais e merecidos méritos. Se a música de Ary está incompatível com
a sua capacidade artística, a letra de Luiz Peixoto compromete seriamente o seu
autor. Talvez poder-se-ia perdoar o próprio Ary Barroso pela fraca composição. Afinal,
nem tudo o que sai da cachola de um autor – por maior que seja o seu renome – é
aproveitável. Entretanto, no que se refere à letra não se poderá dizer o mesmo.
Talvez se poderia, se fosse apenas fraca. Entretanto, não é simplesmente fraca,
mas indecente, imoral, inconcebível para tema de música que vai ser levada ao
disco.
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Luiz Peixoto |
Luiz Peixoto, ao escrever os versos de Na Batucada da Vida, acostumado
que está a produzir para o teatro de revista, geralmente com “quadros” fortes e
apimentados, com certeza, julgou que estaria escrevendo para uma dessas
produções teatrais. E o resultado foi que se perpetuou na massa uma
imoralidade. O tema de que lançou mão o autor dos versos foi o mais infeliz
possível. Conta a história de uma jovem, perdidamente apaixonada, que acabou
sendo atirada à rua da amargura. Para dizer isso, Luiz Peixoto usa e abusa de
uma linguagem libertina, atrevida, chocante, dizendo frases e palavras como
estas: “Hoje eu sou mesmo da virada”, “topo qualquer parada” e “vou me
esculhambando”[1]...
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Ary Barroso |
Boite Oasis, Diário de S. Paulo, 4/5/50 Clique para ver em alta resolução |
Pesa-nos dizê-lo, mas o disco em questão, pela
face de Na Batucada da Vida, não pode ser recomendado. Na etiqueta
deveria ser colocado um selo com os seguintes dizeres: “Proibido para menores
de dezoito anos”.
Na foto: Por maior que seja a nossa boa vontade,
não podemos aceitar o último disco de Dircinha Batista, especialmente pela face
de Na Batucada da Vida, que leva as assinaturas de Ary Barroso e Luiz
Peixoto, que é, como dissemos em nossa crônica ao lado, e como qualquer um
poderá verificar, um autêntico samba impróprio para menores, senhoras e
senhoritas.