terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Diário da Noite, 30 de agosto de 1950

O FUTURO DO DISCO

Torna-se difícil a previsão do futuro do disco. Com a descoberta do sistema de longa gravação, através dos discos de 33.1/3 rpm, é bem verdade, largos horizontes se descortinam para a vida do disco. Daí a dificuldade em que se predizer o seu futuro, porquanto com o assustador progresso da ciência sabe lá o que será o disco dentro de alguns anos! Entretanto, graças às gravações de 33.1/3 rpm, interessantes iniciativas já têm tido lugar, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra. Segundo notícias publicadas em órgãos especializados, a editora Sound Book Press Society está procurando combinar o livro e o disco, isto é, a imagem e o som, para facilitar a compreensão dos cursos de história da música ou de qualquer outro assunto a ela relacionado. Visa a aludida editora concretizar o sonho que a maioria dos autores modernos embalavam. A primeira obra lançada pela Sound Book Press Society foi The Piano and Its Ancestors, de autoria do organizador dessas edições, o Dr. Felix Guenther. A obra, isto é, o livro, farto em ilustrações, focaliza a história dos instrumentos de corda e teclado. Por outro lado, o disco encerra exemplos de várias categorias dos aludidos instrumentos, em composições de autores representativos de cada um. Segundo as notas que temos em mão, os exemplos mais interessantes são os do clavicórdio e do cravo.

Sigmund Spaeth
A editora em questão está anunciando, para breve, edições subordinadas aos seguintes temas: A Família do Violino, por Sigmund Spaeth; Bach, por Hans Rosenwald; e História da Música de Dança, por Sondra Bianca.[1] Outras obras de palpitante interesse – dizem as informações – estão programadas e serão anunciadas oportunamente.

O mais curioso, entretanto, é o preço de tais obras, isto é, da combinação do livro e disco. Apenas $6,85 ou pouco mais de cem cruzeiros, em moeda nacional. Para pessoas que não possuem rádio-vitrolas com o dispositivo que permita várias velocidades ao prato, a Sound Book Press Society editará as mesmas obras, em quatro discos de 12 polegadas, na velocidade comum, de 78 rom, ao preço de $14,35, ou seja, mais do dobro do custo da combinação livro e disco de longa gravação.

Isso nos Estados Unidos. Na Inglaterra, a organização Gerald Lawrence Production Ltd., cuja etiqueta é conhecida por GLP, vem editando várias das mais importantes obras de Shakespeare, radiofonizadas com inteligência, gosto e absoluto respeito pelo texto original, interpretadas de forma admirável por conjuntos especializados ingleses. Assim, já foram postos à venda álbuns contendo O Mercador de Veneza, Hamlet, Romeu e Julieta, Julio César e Ricardo III, sendo de notar-se os efeitos musicais escolhidos com muito gosto e propriedade, embelezando de maneira notável a obra do maior dos poetas de língua inglesa.


Na França, a Societé Industrielle de Reproduction Sonore, conseguiu a exclusividade da Comédie Française para gravações das mais famosas obras teatrais da França. Assim, já foram levadas ao disco as seguintes peças: L’Avare, de Molière; Horace, de Corneille; Andromaque, de Racine; anunciando-se, para muito breve, Le Misanthrope, Le Jeu de L’Amour et du Hasard e On Ve Badine pas Avec L’Amour.

Gravações de obras teatrais não constituem novidade, já tendo sido realizadas, há anos, até com a célebre Sarah Bernhardt, em trechos de Phédre, de Racine. Em discos de longa gravação é onde reside a novidade, pois tal iniciativa será de grande interesse para o público, quer pelo baixo preço do disco quer pela facilidade, pois um só disco de longa gravação substituirá um álbum inteiro, às vezes com 12 discos! Imagine-se que sucesso não seriam as gravações comerciais das obras interpretadas pelo conjunto, por exemplo, de Walter Forster, das Associadas, um dos mais homogêneos elencos de rádio-teatro do Brasil!

Como se vê, novos horizontes foram rasgados para o futuro do disco, que não se prestará apenas para “enlatar” – como diriam nossos avós – a música, mas o teatro, a cultura, através da palavra dos mestres.

Na foto: As gravadoras nacionais, a exemplo da Columbia, da Victor, da His Master’s Voice e da GLP (Gerald Lawrence Productions Ltd.), na Inglaterra e nos Estados Unidos; e da Societé Industrielle de Reproduction Sonore, da frabça, bem que poderiam realizar gravações rádio-teatralizadas, embora em gravações de 78 rom, das mais representativas obras da literatura nacional e universal. A Continental, é bem verdade, já esboçou alguma coisa com as suas Histórias Infantis. Walter Forster, um dos grandes cartazes do rádio-teatro nacional, se levasse ao disco as suas peças, seria, sem dúvida, um autêntico recordista na venda das gravações.

[1] “Sandra”, no texto, mas acho mais provável que esse livro — que não encontrei em lugar nenhum e não deve ter sido escrito ou lançado — seja da pianista Sondra Bianca.

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