segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Diário da Noite, 24 de agosto de 1950

GRAVAÇÃO CURIOSA

A Capitol lançou, já faz um mês, um disco de Les Paul, em solo de guitarra elétrica, no qual ele gravou as melodias Lover e Brasil. Trata-se de um disco curioso. Todos os que o ouvem ficam intrigados, porquanto a etiqueta faz referência apenas a Les Paul e, entretanto, ele parece estar sendo acompanhado por numeroso conjunto de ritmo, no qual julga-se existirem instrumentos ainda desconhecidos do grande público. Entretanto, não há conjunto de ritmo algum acompanhando o solista e, muito menos instrumentos bizarros e desconhecidos. O que houve, na realidade, foi uma bem feita e inteligente fono-montagem. Trata-se, evidentemente, de uma proeza não só do solista de guitarra elétrica mas, também dos técnicos da Capitol. Foi mais ou menos assim que ele executou a aludida gravação. Em primeiro lugar, combinou com os técnicos em realizar seis diferentes gravações, isto é, levaria à cera seis partes diferentes da música. Depois colocando as seis gravações, em pick-up de absoluta precisão, rodadas simultaneamente, levaria as parte tocadas nas seis gravações diferentes, para um só disco. Assim, Les Paul escolheu a melodia Lover, por exemplo, e gravou num disco toda a sua melodia. Num outro disco a harmonia, ou o acompanhamento. Num terceiro, executou variações sobre o tema musical. No quarto, variações sobre a harmonia. No quinto, “uma baixaria”, imitando um contrabaixo. E, finalmente, no sexto disco, em sobreagudo, algumas variações imitando violinos. Gravou, assim, seis discos completamente diferentes. Se ouvíssemos cada um deles, em separado, dificilmente reconheceríamos a música, apesar de se tratar de Lover, uma das mais populares melodias em todo o mundo.

Les Paul
Concluídas as seis gravações, foram elas, como dissemos, levadas ao tocador de precisão, e, rodadas simultaneamente, gravadas numa só cera. E o resultado foi a curiosa gravação que vimos de mencionar. Se bem que este caso, o de se gravar seis discos para, depois, elaborar um, figurando o artista como solista e acompanhantes, seja único, a questão não se reveste de novidade, porquanto numerosos artistas têm feito o mesmo. Enrico Caruso, por exemplo, há tempos, gravou trechos de óperas cantando em dueto com ele mesmo. Beniamino Gigli fez o mesmo. E Jascha Heifetz foi ao extremo de gravar um concerto para dois violinos, ele mesmo executando as partituras de ambos os solistas. Tudo com o mesmo recurso de que lançou mão Les Paul. Dissemos que o seu caso é único porque, realmente, foi ele o primeiro a interpretar seis partes diferentes, isto é, fazendo o papel de solista e do conjunto acompanhante. A propósito, William Fourneau, ao gravar, há poucos dias, para a Continental, com a orquestra de Georges Henry, o fragmento da suíte de Katchaturian A Dança do Sabre, em solo de assovio, desejou, lançando mão do mesmo processo, realizar um dueto e um contra-solo de assovio com ele mesmo. Entretanto, faltaram recursos técnicos e a proeza não pôde ser levada a efeito, o que foi pena, porquanto se fosse feita, a gravação seria bem mais valorizada e seria uma tácita demonstração da capacidade artística de um moço ainda no início de sua carreira. O disco em apreço, portanto, vale pela curiosidade que apresenta. De fato, Les Paul conseguiu efeitos inéditos e absolutos, jamais ouvidos em qualquer outra gravação.


Na foto: Na lista avançada de novidades da Continental, a serem lançadas em setembro próximo, está programado um disco desse homogêneo conjunto vocal paulista que são os Vagalumes do Luar. No aludido disco vamos encontrar o baião de Juraci Rago e Mário Vieira, O Baião Chegou e a toada de Birimbau e Manézinho Araújo, O Pió da Saudade. O festejado quinteto já gravou, também, para a etiqueta dos três sininhos, o samba de Mário Vieira e Orlando Barros (Tavinho), Maluco por Samba.

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