domingo, 8 de dezembro de 2013

Diário da Noite, 3 de agosto de 1950

UM CONCERTO

Ouvimos, há poucos dias, um dos últimos lançamentos da Victor de seu suplemento de música clássica. Trata-se do Concerto em Ré, para violino e orquestra, opus 35, de Tchaikowsky, com Erica Morini ao violino, secundada pela Orquestra Sinfônica de Detroit, sob a direção de Desiré Defauw. Compõe-se, esse álbum da marca do cachorrinho, que levou o nº 1.168, de quatro discos de doze polegadas, proporcionando ao ouvinte, portanto, quase uma hora de boa música.

O aludido concerto do mestre russo, quando foi dado a conhecer ao público, sofreu uma das mais impiedosas campanhas de descrédito jamais feita contra um autor. Os próprios amigos de Tchaikowsky não o pouparam, apontando na obra erros e defeitos que o autor, por mais que se esforçasse, não conseguia encontrar, apesar de estar concorde em que o Andante não satisfazia, o que o levou, mais tarde, recompô-lo. Até Mme. Von Meck, sua patrocinadora, que sempre teve ilimitada admiração por Tchaikowsky, considerando-o um gênio, chegou, certa vez, a apontar coisas neste Concerto em Ré, opus 35, para violino e orquestra. Leopold Auer, na época um dos mais prestigiosos virtuoses de São Petersburgo, a quem primeiramente Tchaikowsky havia dedicado o concerto, na esperança de induzi-lo a lançar a obra em uma carreira triunfal, disse, assombrado, ao passar os olhos pela partitura, que aquilo “era impossível de tocar”.

Erica Morini
Após dois anos de vagareza e indecisão, o violinista Adolph Brodsky resolveu executá-lo com a Orquestra Filarmônica de Viena, a 4 de dezembro de 1881. não sem antes queixar-se de que o autor colocou nele muitas partes difíceis.

Apesar dos esforços do violinista e da Orquestra de Viena, a estréia redundou num irremediável fiasco, que a crítica, como é fácil compreender, não deixou de explorar. Edward Hanslick, por exemplo, um dos mais severos críticos da época, considerado mesmo uma espécie de ditador dos destinos musicais, chegou ao extremo de empregar uma frase ofensiva, quer aos leitores, quer ao autor da obra, ao dizer que o concerto em questão “fedia aos ouvidos”. Com que amargura Tchaikowsky leu o conceito que Hanslick fazia do seu trabalho. E esse desgosto o perseguiu até a morte. O tempo, entretanto, se encarregou de provar o quanto estavam enganados os que, na ocasião, não puderam compreender a grande obra.

Desiré Defauw
Uma página de tal grandeza, portanto, requer um intérprete dos mais amplos e excepcionais recursos de técnica, de penetração e de compreensão, para sentir e transmitir sua multiforme beleza e esplendor. Tudo isso, sem dúvida alguma, a violinista italiana Erica Morini possui, porquanto ela nos oferece uma execução verdadeiramente impressionante, que não vacilamos em comparar à antiga e notável gravação de Jascha Heifetz.

Com a alusão à gravação propriamente dita, não poderíamos dizer outra coisa, senão que está excelente, com perfeito equilíbrio entre o solista e a orquestra, por sinal magnificamente regida pelo maestro Desiré Defauw.

Bruno Walter
É uma pena que obras como estas não estejam ao alcance de qualquer bolsa, pois mereciam ser conhecidas pelo grande público e não apenas por um número reduzido de ouvintes.

Na foto: Já que em nosso comentário de hoje focalizamos uma obra clássica, nada mais justo do que recomendarmos também aos leitores que gostam das grandes obras, a gravação da Sinfonia nº6 (Pastoral), de Beethoven, pela Orquestra Sinfônica de Filadélfia, sob a regência do admirável Bruno Walter, feita pela Columbia, que a reuniu num álbum de cinco discos para acoplo automático.

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