quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Diário da Noite, 6 de setembro de 1950

O “REI DA VOZ”

Dentro de poucos dias a Odeon colocará nas casas revendedoras um disco de Francisco Alves em que o “rei da voz” gravou Boa Noite, Amor, valsa de José Maria de Abreu e Francisco Mattoso; e Na Estrada do Bosque, fox de C. A. Bixio, numa versão de Humberto Teixeira.

Chico Alves já gravou, faz um bocado de tempo, a bonita valsa de José Maria de Abreu. Foi uma bela gravação, que aliás ainda pode ser encontrada nas boas casas do ramo, se o interessado conseguir topar com um empregado de bons bofes e que se disponha a procurá-la. Chico, então, estava em plena forma. Sua voz era, como ele, jovem e possuidora de toda a exuberância que o tempo, aos poucos, mas paulatinamente, vai esgotando. O Boa Noite, Amor, da primeira gravação, assim demonstra o “rei da voz” na plenitude do seu reinado. A sua gravação recente, entretanto, embora boa, isto é, de bom padrão, é, porém, inferior à primeira, no que diz respeito à voz e à interpretação. É bem verdade que há uma interessante orquestração do maestro Oswaldo Borba. Mas, apesar disso, preferimos o primeiro Boa Noite, Amor. Chico Alves, apesar dos seus 52 anos, ainda é senhor de sua voz. Entretanto, observa-se que nas notas altas ele já se esforça bem mais. Nos últimos sulcos da gravação, quando o ouvinte espera um daqueles agudos que costumava dar – e tem-se a nítida impressão de que ele ia realizar o feito – tem uma tremenda decepção ao ouvir que ele cai cá embaixo, na outra oitava.

Já a face oposta nos causou melhor impressão. A Estrada do Bosque, fox responsável pela fama de Gino Bechi, então conhecido apenas pelos amantes do lírico recebe novo colorido na bonita voz de Chico e, principalmente, pelas palavras em português, de Humberto Teixeira. É fora de dúvida que tão logo o disco inicie a rodar pelas vitrolas da cidade, todo mundo irá cantarolar A Canção do Bosque, em português. Por seu turno, a homogênea orquestra de Oswaldo Borba executa o acompanhamento com a devida discreção, dando realce ao vocalista, ganhando destaque ao realizar o solo entre os refrãos.

Radamés Gnatalli
Para os discófilos cumpre lembrar que existem cinco gravações da valsa de José Maria de Abreu: com Pedro Vargas, com Sílvio Caldas, por um conjunto orquestral sob a regência de Radamés Gnatalli e, finalmente, as duas do próprio Francisco Alves, a segunda das quais vimos de comentar.

Na foto: Radamés Gnatalli é um dos mais competentes regentes e orquestradores do país. Dono de apurada sensibilidade e fino gosto, suas orquestrações constituem, na matéria, verdadeiras obras-primas. Muita gente o julga estrangeiro, em virtude do seu sobrenome. Entretanto, o maestro Gnatalli é brasileiro, ou, mais precisamente, gaúcho. Pianista de largos recursos, não resistiu ao desejo de levar ao disco o som de um piano acionado pelos seus ágeis dedos. E assim, gravou recentemente, para a Continental, sob o pseudônimo de “Vero”, o choro Tocantins, de José Rebelo da Silva, e a valsa Madrigal, de Aurélio Cavalcanti. Os que apreciam solos de piano não devem deixar de ouvir esse bonito disco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário